4 - Prova Psicológica da Existência de Deus 2
O argumento ontológico que baseia a prova da existência de Deus na perfeição de sua ideia foi primeiramente apresentado por S. Anselmo (1035-1109). Diz, em suma, que a existência deve ser necessariamente atribuída a ideia (essência) de um ser perfeitíssimo. Descartes foi um pouco além, afirmando que o fato de existir na mente humana a ideia de um ser perfeitíssimo só pode ser o resultado da existência deste próprio ser. O problema com estes raciocínios, apesar de estar contida neles uma grande verdade, começa com as próprias palavras com que são colocados: “argumento” ontológico ou “prova” ontológica. Quanto à esta última palavra, “prova”, seria válida se tivesse o sentido de uma experiência, mas não como o resultado da construção de um silogismo, pois a verdadeira prova da existência de Deus só pode brotar naturalmente de uma experiência na consciência do indivíduo. Tal prova pode ser dividida em dois tipos, um deles positivo e o outro negativo. No primeiro tipo, o qual podemos apodar de “prova existencial positiva”, o sujeito da experiência deve examinar-se e ver se consegue pensar em Deus sem que a este pensamento esteja associada à consciência de sua existência. Para a efetividade da experiência não é necessário que a palavra “Deus” seja definida com precisão, porque a simples menção da palavra “Deus” é suficiente para despertar na consciência individual a ideia da substância e essência do ser supremo, e nada mais precisa ser dito a respeito. Portanto, havendo se colocado este pensamento a respeito de Deus, examine-se o indivíduo com objetividade para ver se quando nele pensa não o faz como a um ser existente – da mesma forma como sempre pensa a respeito de si próprio ou de uma pessoa do seu conhecimento particular. Quer dizer, quando alguém pensa objetivamente a respeito de si mesmo é impossível que não esteja convicto da própria existência. Mas se alguém pensar a respeito de si mesmo não objetivamente pode fantasiar que é não-existente – não, porém, sem estar consciente de que tudo não passa de uma fantasia de sua mente. Da mesma forma, pensando não-objetivamente pode-se fantasiar a não-existência de Deus; porém, desde que não se pretenda enganar a si mesmo, sabe-se que se está apenas fingindo. É impossível pensar em Deus da forma mais objetiva sem estar consciente de que ele existe.
A segunda prova pode ser chamada de “prova existencial negativa” e consiste em esforçar-se por pensar em Deus, de forma não-passional, como não existente, observando sempre o critério da objetividade. Verificar-se-á que assim como é impossível que alguém pense a respeito de si mesmo como não-existente, ficando ao mesmo tempo convicto da veracidade deste pensamento, da mesma forma não se pode pensar em Deus como não-existente estando ao mesmo tempo convicto da veracidade deste pensamento, a não ser que se caia na armadilha da passionalidade, o que revela a falsidade da própria convicção. Refiro-me aqui a espécie de passionalidade que é causada em nós por seres vivos que julgamos dotados de inteligência.
Uma terceira prova ainda mais concludente que as duas primeiras é possível, a qual pode ser chamada de “prova existencial definitiva”, mas que possui um único inconveniente, que é o de não poder ser realizada de forma planejada; ou seja, esta prova independe da vontade da pessoa que vai realizá-la – mas tal é, justamente, o seu mérito. As duas provas anteriores se ressentem da dificuldade de se colocar no estado de completa objetividade necessário para que sejam feitas da forma mais adequada, uma vez que o indivíduo se condiciona para realizá-las e nesse condicionamento surge uma oportunidade para o afloramento de preconceitos. Consiste pois esta terceira prova em que alguém procure, num exame criterioso de suas memórias, analisar se cada vez que o pensamento de Deus surgiu em sua mente tal acontecimento esteve associado a um estado de atividade ou de passividade. Constatar-se-á que sempre que se pensou em Deus no passado se o fez de duas maneiras: se de forma ativa, quando estávamos dirigindo os nossos pensamentos de uma maneira consciente, tal acontecimento se deu nas ocasiões em que filosofamos a respeito de sua essência, ou seja, tentando descobrir quais são os seus atributos, e nestas ocasiões sempre nos dirigimos naturalmente a ele como a um ser dotado de existência. Se de outra forma, ou seja, nas vezes em que o pensamento de Deus surgiu espontaneamente na nossa consciência, estivemos sempre dominados pelo sentimento da paixão, o que evidencia que nossas considerações se dirigiam a um ser dotado de existência, uma vez que é impossível ser passional com respeito a uma simples quimera.
Além de examinar suas memórias, o que não é uma coisa fácil para muitas pessoas, o indivíduo que pretende ter certeza a respeito desta questão da existência de Deus, ainda no âmbito desta terceira prova, deve adotar a atitude de examinar o seu estado mental cada vez que, no futuro, o pensamento de Deus surgir espontaneamente na sua consciência. Deve-se adotar este auto-exame nestas ocasiões como uma verdadeira norma de vida – com certeza a mais importante que se pode adotar.
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